
Malandros subterrâneos, velhos decadentes e sem nenhuma perspectiva e mochileiros de todos os cantos dividiram mesa com a gente. Por lá, vimos ao menos uma alma já inchada apodrecendo aos poucos, cada dia mais, e isso nos intrigava e levava à reflexão. Um velho Bukowski que habla espanhol, cozinha com o cheiro da sua falta de banho e se joga no sofá enquanto pensa no cigarro que tremilicava em sua mão, segundos atrás, em um balcão repleto de jovens que ali vivem o sonho de riscar de sua lista mais um país do globo. Sonho e estado vegetativo, um ao lado do outro, e ainda não tenho certeza de quem está se enganando. A mesma roupa de todos os dias nos faz novamente perder a noção de tempo: pra ele, é sempre hoje, sempre cedo demais pra mudar de página, tomar um banho e mudar a camisa. Pra ele, talvez o cheiro sempre esteja lá, impregnado. E não há água sanitária no mundo que desinfete a podridão que o levou até ali. Só o trago da noite, numa sequência de Quilmes que amortecem o corpo, desviam a atenção do cheiro de sebo de sua careca e levam a fechar os olhos, começando a cantarolar pra si mesmo uma porção de nadas que colocam um sorriso no rosto: hora de dormir, e, se amanhã contar com alguma sorte, não precisa acordar pra viver tudo isso de novo. O loop infinito do simpático porteño merecia ter fim na Recoleta, mais um grande sábio da cidade barulhenta e violenta na medida certa, que ao menos trancado em um albergue fedido, mal nenhum pela cidade fez.
#12 Crônica de um cheiro de morte
Pedro Henrique Krug. Existe desde 1993, publicitário por formação. Está sempre com um livro na mão. Viajou diferentes universos com Kubrick, Lars Von Trier e Tarantino. Gosta de Beatles, mas também ouve Raimundos. Poderia ser filho de Alan Moore ou neto de Bukowski. Prefere os confeitos coloridos.

Pedro